Aderaldo Luciano
3ª Edição - Paraíba
Em
1929, Francisco das Chagas Batista, pai de Maria das Neves Batista Pimentel, a
pioneira do cordel, publicou a antologia Cantadores e Poetas Populares, pela Popular Editora, de João Pessoa. A editora é citada por
Mario de Andrade em seu livro de notas de viagem Turista Aprendiz. Na abertura,
o organizador tece críticas a Leonardo Motta, Gustavo Barroso e Rodrigues de
Carvalho pela omissão do nome de excelentes poetas representantes da poesia do
povo. Essa antologia é importantíssima porque, pela primeira vez, um poeta se
contrapõe aos pesquisadores mais respeitados da época, chamando a atenção para
uma produção que ficara à margem. Nessa antologia não há NENHUM NOME DE MULHER
como autora.
35 anos depois da antologia
de Francisco das Chagas Batista, a Casa de Rui Barbosa publica sua primeira
antologia, a Literatura Popular em Verso. O organizador, Manoel Cavalcanti
Proença, lidando com o acervo da casa, apresenta a matriz de vários folhetos,
romances em cordel, já devidamente imortalizados na memória do povo do
nordeste, primeiro, e no seio do sudeste, visto que a editora Prelúdio, de São
Paulo, já há dez anos, enriquecia seu catálogo com as "histórias do
norte". O Tomo II dessa antologia foi reservado aos Estudos, nele
Sebastião Nunes Batista, filho de Chagas Batista e irmão de Maria das Neves,
faz a célebre restituição de autoria aos títulos de Leandro Gomes de Barros.
Nessa antologia não há NENHUM NOME DE MULHER como autora.
12 anos depois da antologia
da Casa de Rui Barbosa, em 1977, a Fundação José Augusto, do Rio Grande do
Norte, publica a Antologia de Literatura de Cordel. O nome "literatura de
cordel" começa a se estabelecer na referência aquilo que chamou-se poesia
popular (Chagas Batista) e "literatura popular em verso" (Proença). O
organizador é Sebastião Nunes Batista, o mesmo da Restituição de Autoria citada
no parágrafo anterior. O primeiro texto, como uma apresentação, é de Manuel
Diágues Júnior que apresenta nosso cordel como herdeiro da "literatura
oral tradicional" cuja origem seria a Península Ibérica. O próprio
organizador referenda esse viés, embora afirme que tratam-se de "estórias
rimadas por poetas populares do Nordeste". Nessa antologia não há NENHUM
NOME DE MULHER como autora.
Em 1978, a Secretaria de
Cultura do Ceará publica, em dois volumes, sua Antologia de Literatura de
Cordel. O nome "literatura de cordel" se estabelece na referência aos
nossos folhetos e o Ceará consolida a vanguarda na produção cordelística. Com
bons textos e testemunhos e biografias dos poetas participantes, a antologia
traz uma boa bibliografia sobre a poesia do povo, mas ainda a vincula ao
folclore, mesmo sabendo-a não anônima e muito bem datada. Boa iconografia, traz
o diálogo do cordel com a xilogravura e apresenta pela primeira vez o nome de
Pedro Bandeira, considerado o príncipe dos poetas populares. Bandeira inaugura
a presença do poeta cantador que também produz cordel, cujos representantes,
como João Melquíades, haviam nascido no séc. XIX e ele nascera em 1938, ano de
aparecimento de Altino Alagoano (Maria das Neves Batista Pimentel). Nessa
antologia não há NENHUM NOME DE MULHER como autora.
Em 1982, o Banco do Nordeste,
na comemoração dos seus 30 anos, promove sua antologia chamada Literatura de
Cordel. Em sua Nota Prévia, Gilberto Freyre elege-se "o mais doutorado...
que não ostenta seus títulos doutoralmente ou magistralmente acadêmicos."
Ao que completa-se como aquele que enfileira-se ao lado dos que mais escutam,
pensam, sentem e escrevem sobre "seus compatriotas rústicos e até
analfabetos, através da chamada Literatura de Cordel." Inaugura-se a
apresentação dos poetas como desprovidos de letras e atributos estéticos, mas
que, mesmo assim são fundamentais ao Nordeste. Eleva-se o muro entre o que é
"popular" e o que é "erudito" em literatura e arte. Também
pela primeira vez se apresenta o estudioso Raymond Cantel como definidor do que
seja o cordel, citado por Veríssimo de Melo no importante artigo Literatura de
Cordel, Visão Histórica e Aspectos Principais. Nessa antologia não há NENHUM
NOME DE MULHER como autora.
Em 2017, as editoras Veloso e
Nordestina Editora reuniram 53 poetas de cordel em sua antologia Cordelistas
Contemporâneos. É o que há de mais representativo da produção atual no que se
diz respeito ao universo cordelístico. Figuram nomes que abrangem boa parte do
território brasileiro e é possível criar-se um mapa dessa produção. O
idealizador Zeca Pereira convidou os poetas que bancaram, eles mesmos, os
custos e os trabalhos de confecção. Também é possível observar-se o tipo de
produção e o apuro técnico dos poetas, os temas e a presença da poesia. Nessa
antologia aparece o nome de 6 (seis) mulheres contrapondo-se à supremacia de 47
autores. Podemos contá-las nos dedos: Anne Karolynne, de Campina Grande-PB, Auri Lopes, de Fortaleza-CE,
Cleusa Santo, de Tarumã-SP, Jennifer Amorim, do Cabo-PE, Madalena Castro, de
Bom Jardim-PE e Rita Cruz, de Acaraú-CE.
Em
2018, a Academia Sergipana de Cordel reuniu 17 poetas mulheres em sua antologia
Das Neves Às Nuvens - I Antologia das Mulheres do Cordel Sergipano. É um marco.
Nenhuma delas constou em qualquer antologia anterior. Algumas delas militantes
do cordel há vários anos. Outras recebendo o bastão e a responsabilidade da
continuação. Isso é um avanço para o Cordel Brasileiro. É uma revolução. O
retrospecto dominado pela presença da autoria masculina é quebrada e a presença
feminina se consolida. Necessário urgente que o Brasil reconheça esse trabalho,
essa luta e essa conquista em tempos tão complexos. Pede-se a todos os poetas
do cordel, a celebração, a festa e não, nunca, o embate, o boicote, o medo. As
mulheres do cordel sergipano pedem passagem e gritam com sua voz firme e
entoada, com cadência, ritmo e propriedade: NESSA ANTOLOGIA HÁ A PRESENÇA DAS
MULHERES COMO PROTAGONISTAS DE SUAS VIDAS DE POETA. A Academia Sergipana de
Cordel tenha vida longa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário