quarta-feira, 1 de março de 2017

PASSARELA DOS ANJOS



ANTÔNIO CABRAL FILHO
3ª Edição - Rio de Janeiro


Era sempre um desfile
Nosso ir da igreja à sorveteria.
Aí, compartilhávamos
nossos pecadinhos
Mais secretos
Devidamente acompanhados de um corneto
Quando ela demonstrava outras
Habilidades com a língua
Passeando-lhe de cima a baixo,
De baixo até em cima
E envolvia-lhe todo.
Não tinha como não se arrepiar
E sentir calafrios, delírios...
Mas suas melhores performances sensuais
Era quando saíamos da escola.
Ela montada na bike azul
Pedalando com sua saia rodada
Subindo e descendo suas coxas
Tostadas de sol.

Quando a carreta passou,
Ninguém percebeu o corpo,
Lá, estirado no asfalto,
Com a bicicleta retorcida.
Apenas apitos e buzinas
E a gritaria. Todos corremos.
Todos choramos e o desespero
Se espalhou como fogo.
Vários policiais partiram
Em verdadeira caçada,
Prenderam o motorista
E trouxeram-no algemado
Para o Distrito Policial,
Onde quase acabou linchado.

Agora, na sala retangular,
Todos assistem sentados e mudos
Ao seu último desfile,
Toda vestida de branco,
Para ocultar seus contornos,
Penteada e maquiada para uma festa,
Uma festa só para os anjos,
Sem música, sem pista de dança,
Sem parceiro que se habilite
A este último segundo,
À luz de velas.

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