* Wellinghton
Santos
5ª Edição - Sergipe
Introdução
A
necessidade de introduzirmos as novas tecnologias digitais da informação e
comunicação é tema recorrente nas mesas de discussão sobre ensino e
aprendizagem, educação e formação de professores. Não seria diferente no ensino
de literatura. Mas como usá-las de modo que o aluno possa ter uma aprendizagem
significativa? Como essas tecnologias podem auxiliar eficazmente o ensino? Precisamos
repensar o ensino de língua materna sob a luz da multimodalidade, do
multiletramento, e com um olhar especial para a contribuição secular dos contos
de fadas, tendo como foco a formação de alunos leitores e produtores de texto. Vejamos
o que diz Xavier (2013) acerca disso:
(...) estamos vivendo em um momento novo no que se
refere ao uso das novas tecnologias na educação. O período de estranhamento com
a possível “invasão” das engenhocas tecnológicas digitais nas salas de aulas
parece já ter sido superado. Não existem mais tantos questionamentos como
existiam cinco anos atrás. Por conseguinte, vem diminuindo a resistência por
parte de todos os atores envolvidos no sistema educacional, (...), passando,
inclusive, pela mídia que tem ajudado a convencer pais de alunos e a opinião
pública em geral a conceber as tecnologias como aliadas à aprendizagem. (2013, p. 02)
Dados do
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) em 2012 confirmam que os
estudantes brasileiros pioraram em relação a 2009, com referência à média de
proficiência de leitura na Prova Brasil do ensino fundamental das escolas
públicas. Ficaram aquém do nível de aprendizado considerado adequado. Isso
significa que nossas escolas precisam formar alunos mais leitores, jovens
críticos e produtores de textos.
A formação de leitores proficientes é um dos principais
objetivos do ensino de língua portuguesa. A publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), em 1998, pôs a noção de gêneros (textuais ou discursivos...
não vamos entrar aqui nesse mérito, pois ambas as teorias possuem suas
congruências e incongruências) para as mesas de discussão sobre o ensino de
língua no Brasil: [...] todo texto se organiza dentro de determinado gênero em
função das interações comunicativas, como parte das condições de produção dos
discursos, os quais geram usos sociais que os determinam. (Brasil, 1998, p.
21).
Nosso objetivo é, pois, contribuir para que os alunos
possam apreender conceitos, práticas e habilidades significativas no que
concerne ao uso da língua materna em diferentes situações de comunicação. Ao
utilizarmos estratégias de leitura comparada entre contos clássicos e suas
adaptações cinematográficas, nossa proposta metodológica objetiva extrair a
riqueza da tradição oral, com todo seu tom formador, aliando-a à intensidade
semiótica e a forte presença junto ao jovem contemporâneo dessa poderosa
linguagem: a audiovisual. Além disso, a presença do tradicional desenho ou
pintura reforça a riqueza do multiletramento e culmina com a possibilidade da
autoria, momento em que o aluno é criador, tem voz (literalmente!).
O leitor proficiente que buscamos deve ser
possuidor de uma competência comunicativa que
incorpore: conhecimento linguístico, percepção da intenção do interlocutor e
conhecimento pragmático. Deve, portanto, criar sentidos e processar
informações, construir textos verbais orais e escritos e interagir verbalmente com
seus pares, observando o texto numa situação real de comunicação.
A
sociedade contemporânea — e por consequência a escola — requer não mais apenas
o letramento, mas o multiletramento, pela própria diversidade de textos que
circulam e as diferentes linguagens que os constituem. De acordo com Rojo
(2012), há algumas características importantes que definem os multiletramentos:
* Eles são interativos; mais que isso, colaborativos;
* Eles fraturam e transgridem as relações de poder
estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas,
das ideias, dos textos [verbais ou não]);
* Eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de
linguagens, modos, mídias e culturas).
(2012, p. 23)
Ainda
segundo Rojo, a mídia digital, por sua própria constituição e funcionamento, é
interativa e depende de nossas ações como usuários (e não receptores ou
espectadores). Nessa vertente, nossa proposta contempla um meio digital de
propiciar, através dessas características, o estudo significativo da estrutura
e contextualização dos contos clássicos. Isso aflora mais fortemente no momento
final, na recriação do conto, onde o aluno interage com a história, após
compreendê-la e confrontar sua experiência discursiva com o mundo imaginário,
fantástico do conto tradicional e com o mundo imagético das telas do cinema.
“Sem nossas ações, previstas, mas com alto nível de abertura de previsões, a
interface e as ferramentas não funcionam.” (Rojo, 2012, p. 23-24).
Também é
importante na nossa proposta a exploração das estruturas textuais. Segundo
Geraldi, no 6º ano do ensino fundamental, com referência a problemas de
estrutura textual, destacam-se:
* A narração contém respostas às questões: quem? o
quê? quando? onde? como? por quê?
* A sequenciação do acontecimento corresponde à
história narrada?
* O que está faltando é importante? torna o texto
(história) viável?
(GERALDI, 2012, p. 75)
Todos
esses questionamentos são relevantes na análise estrutural. Essas inferências
são o prelúdio de uma análise mais aprofundada, que leva em conta como o aluno
deve compreender a sequência narrativa, quais são os elementos que a compõem. Além
disso, perceber a importância dos valores humanos advindos do enredo, que são a
essência dos contos, sobretudo os de tradição oral.
Tratando
disso — valores humanos— o conto clássico, com seu caráter lúdico, traz
conceitos de humanidade, solidariedade, sabedoria, amizade, lealdade,
obediência, gentileza, dentre outros, de forma tão sutil e inteligente, que é
impossível deixar de explorá-lo. Este é um dos motivos pelo qual foi escolhido
como gênero corpus do nosso trabalho:
a interação social promovida e o debate ético-sociológico que provém de sua
análise. Mas o conto traz em si também valores negativos. Afinal, o bem e o mal
compõem tanto nosso imaginário quanto nossa realidade. Somos todos constituídos
de ambos os lados. São duas faces nossas que se revezam no convívio social. O
que é importante analisar — e a estrutura dos contos maravilhosos nos permite
ver isso — são as consequências de nossos atos. Se boas ou ruins. E para quem.
Gênero é um conceito que vem da
abordagem discursiva. Nós, professores, não podemos perder essa gênese de
vista. Apesar de os artigos e manuais didáticos frisarem o juízo bakhtiniano de
que gênero é um “tipo relativamente estável de enunciado”, (...) o conceito atravessa
qualquer tentativa sistematizante em direção ao pressuposto sociológico: gênero
é um instrumento de interação social.
(WACHOWICZ, 2012, p. 26)
Ampliando
esse conceito de gênero, no âmbito da multimodalidade, Oliveira (2013) cita
Kress e Van Leewen (2006):
(...) a multimodalidade é uma característica de todos
os gêneros textuais, já que congregam, no mínimo, dois modos de representação,
como imagens e palavras e palavras e tipografias. Dessa forma, o empoderamento
semiótico depende da compreensão das diferentes semioses presentes em cada
gênero. (OLIVEIRA, 2013)
Espera-se,
com nossa proposta multimodal de leitura e produção, que alunos e professores tenham
um subsídio que aperfeiçoe e amplie os níveis de recepção textual no segundo
ciclo do ensino fundamental, uma etapa da escolarização muito carente no
quesito leitura literária. Assim, no que concerne às atividades de compreensão,
devemos partir, segundo Koch (2008), dos sentidos explícitos, cuja transmissão
está como objeto do discurso; chegando aos implícitos, objetos de inferências
acerca do texto. Ela classifica os implícitos em dois tipos: (...) implícito
“absoluto” — aquilo que se introduz por si mesmo no discurso e que o locutor
diz sem que o queira e mesmo sem que o saiba — e um implícito “relativo”,
interno àquilo que o locutor “quer dizer”. (KOCH, 2008, p. 23)
Dialogando
com os preceitos de Koch, nossa abordagem também considera dois pontos, de
acordo com o que propõe Kleiman & Sepulveda (2014, p. 17): dialogismo e situação de comunicação, pela proposta de aulas instigantes, com a
compreensão ativa da fala do outro e a orientação dos enunciados considerando
as possíveis (e as reais) respostas dos alunos, essenciais para a interação. Espera-se
chegar, com isso, a dois pontos-chave: intenções
e atitudes perante o enunciado.
Além disso,
nossa contribuição para professores e alunos está pautada em alguns objetivos de
língua portuguesa para o segundo ciclo do ensino fundamental, conforme os PCNs:
* Compreender o sentido nas mensagens orais e escritas
de que é destinatário direto ou indireto, desenvolvendo sensibilidade para
reconhecer a intencionalidade implícita e conteúdos discriminatórios ou
persuasivos (...);
* Ler autonomamente diferentes textos dos gêneros
previstos para o ciclo, sabendo identificar aqueles que respondem às suas
necessidades imediatas e selecionar estratégias adequadas para abordá-los;
* Utilizar a linguagem para expressar sentimentos,
experiências e ideias, acolhendo, interpretando e considerando os das outras
pessoas e respeitando os diferentes modos de falar. (Brasil, 2000, p. 124)
Considerando
tudo que aqui vimos, pretendemos, a partir da aplicação de nossa proposta
metodológica, chegar mais próximos do que preconizam os PCNs. Teremos, assim,
uma meta alcançada: auxiliar na melhoria do ensino-aprendizagem de língua
portuguesa, através duma leitura literária proficiente e ampliadora do nível
cultural de nossos adolescentes, em quaisquer dos aspectos ora expostos neste
trabalho.
Conto de fadas
O conto de fadas é a cartilha onde a criança
aprende a ler sua mente na linguagem das imagens, a única linguagem que permite
a compreensão antes de conseguirmos a maturidade intelectual. A criança precisa
ser exposta a essa linguagem e deve aprender a prestar atenção a ela, se deseja
chegar a dominar sua alma.
Bruno Bettelheim
Após essa
epígrafe, com uma belíssima definição do conto de fadas, porém antes de
falarmos propriamente dele, o primeiro aspecto a ser refletido é: qual o papel
da literatura nas aulas de português do ensino fundamental? É inegável a
necessidade de uso dos mais variados gêneros, explorando suas estruturas e
funcionalidades. É muito bem-vindo o texto jornalístico, o texto publicitário,
etc. no âmbito da leitura escolar. Mas essa multiplicidade (inclusive constante
nos livros didáticos) ofusca o papel humanizador do texto literário. Devemos,
então, traçar metas e criar mecanismos que induzam o professor — e por extensão
o aluno — a uma leitura melhor articulada da literatura. Vejamos o que diz Cruz
(2012) sobre o papel da escola acerca do texto literário:
A escolarização do texto literário é uma realidade da
qual não podemos fugir. Embora alguns estudiosos afirmem que o texto literário
ao ser escolarizado perde sua essência primaz, que é a fruição, vale a pena
dizer que muitos são os alunos que têm a escola como referência para o contato
com a leitura literária, visto que a escola é o único lugar em que a dinâmica
de leitura literária se fazia presente. Contudo, a despeito da polêmica
instaurada sobre escolarizar ou não escolarizar o texto literário, o que deve
ser modificado é a abordagem didática que se imprime aos textos trabalhados no
âmbito escolar. (2012, p. 157)
Cruz
(2012) ainda apresenta três competências comunicativas que devem ser entendidas
e colocadas em exercício pelo leitor na escola. Nosso propósito é criar uma
dinâmica que aflore e organize os sentidos do leitor para o desenvolvimento
destas competências:
* Introspecção – o leitor, ao tomar posse do texto
literário, absorve o contexto escrito, cria empatia e se enxerga nele;
* Imagem visiva – a absorção do contexto literário
leva o leitor a reconstruí-lo imageticamente conforme os seus códigos culturais
e todo acervo de leituras anteriormente adquirido;
* Interlocução – se configura numa ação que se
manifesta no instante em que o leitor estabelece, no âmbito do texto, uma
interação crítica e, de ponto, atua com o autor e o contexto ficcional; o que
chamamos de processo triádico, isto é, há uma interlocução entre a tríade
textual: autor/leitor/contexto ficcional. (CRUZ, 2012, p. 164-165)
Fica claro
que, no processo de leitura do texto literário, intertextualizada com a
linguagem audiovisual (e outros gêneros), fazemos uso da nossa visão semântica,
pragmática, semiótica e psicanalítica, vinculando a noção de sentido a outra
tríade: compreensão/interpretação/nova
compreensão (Cruz, 2012).
O gênero
conto de fadas possui quatro especificidades importantes para este trabalho:
está presente na maioria das listas de leitura no ensino fundamental, especialmente,
no primeiro ciclo (o que não impede de ser usado também no segundo); sua
influência é inegável na formação de crianças e adolescentes do mundo inteiro,
há séculos; possui tradição oral, o que possibilita várias releituras; e possui
hoje inúmeras adaptações cinematográficas, nos mais variados gêneros de filmes
(alguns possuem mais de uma adaptação).
Segundo
Silva (2006), Bruno Bettelheim, em sua obra A
psicanálise dos contos de fadas, ressalta o valor terapêutico dos contos de
fadas, por levarem às crianças esperança e consolo diante da realidade e da
ansiedade que as cercam. Quando lemos ou ouvimos uma história, nossa mente
transforma inconscientemente a narrativa verbal em imagens do texto que se
misturam com nossa memória pessoal. Essa interação faz-nos “ver mentalmente” a
narrativa. Quando essa mesma história é adaptada ao cinema, entramos em contato
com as leituras do roteirista e do produtor, que trazem diferenças em relação
ao original. Isso pode ou não coincidir com nossas expectativas em relação ao
filme. Daí serem muito comuns opiniões do tipo “O livro é melhor que o
filme”.
A autoria
de muitos contos de fadas é atribuída aos irmãos alemães Jacob Grimm
(1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859). Os irmãos Grimm dedicaram suas vidas à
criação de um dicionário filológico da língua alemã, à elaboração de livros
sobre gramática e história da língua alemã, à reunião de mitos, lendas, baladas
e, é claro, contos de fadas. Os contos foram sendo coletados, revisados e
divulgados ao longo de décadas, desde 1812, até a edição definitiva, em 1857,
última em vida dos irmãos. Na coleta de contos
populares, reuniram narrativas da oralidade popular. Eles
passaram a buscar fontes orais e, para isso, recorreram a amigos e conhecidos.
Os Grimm consideravam que é possível depreender de tais similaridades uma
origem compartilhada, ou a existência, num passado remoto, de uma narrativa
primordial que teria se modificado ao longo das gerações de contadores, dando
origem a um múltiplo de narrativas no presente. O conto de fadas popular é
tratado como uma matriz ou fonte de inspiração para a livre criação ou invenção
de histórias. Assim, quando um conto lhes chegava narrado por vários
contadores, eles selecionavam a versão mais próxima da forma primitiva ou
original. Outras vezes mesclavam partes de uma versão com outras, a fim de
alcançar o mesmo objetivo. Eles não tinham em vista a reprodução dos contos na
forma exata que os tinham ouvido, mas a conservação de um modelo ideal, em que
estaria espelhada a ascendência comum das múltiplas formas da narrativa popular
oral: contos de fadas, mitos, fábulas, lendas, sagas, etc.
Tratando
especificamente do trabalho a ser efetuado na nossa oficina, saliento que é
necessário ter ciência da estrutura dos contos de fadas, seu corpus. O russo Vladimir Propp é
considerado o pioneiro do folclorismo estrutural russo, criando o modelo da
sintagmática do conto de fadas na forma da sucessão linear das funções e dos
personagens. Em sua
obra Morfologia do conto maravilhoso
(1928), pesquisa a forma específica do
conto de fadas enquanto gênero, para encontrar, consequentemente, uma
explicação estrutural para a sua uniformidade. Definindo esse tipo de texto, não
acerca dos temas, mas à composição narrativa, Propp (2006) desmembrou o corpus do conto de fadas em trinta e uma
funções (ações) a serem realizadas: afastamento, proibição, transgressão da
proibição, interrogatórios, informação sobre o herói, embuste, cumplicidade, dano, carência, mediação, início da
reação, partida, primeira função do doador, reação do herói, recepção do objeto
mágico, deslocamento no espaço, combate, marca do herói, vitória, reparação do
dano ou carência, regresso do herói, perseguição, salvamento, chegada
incógnito, falsa pretensão, tarefa difícil, tarefa cumprida, reconhecimento,
desmascaramento, transfiguração, castigo e casamento. Essas funções podem ser
agrupadas em sete esferas de ação, agrupadas por personagens: o agressor ou
antagonista (o que faz mal); o doador (o que dá o objeto mágico ao herói); o
auxiliar (que ajuda o herói no seu percurso); a princesa e o pai; o mandador; o
herói e o falso herói.
Devemos
considerar também dois aspectos. Primeiro: essas etapas ou funções definidas
por Propp não necessariamente serão encontradas em todos os contos de fadas, sobretudo
nas adaptações contemporâneas e mais ainda nas audiovisuais; o outro aspecto é
que esses sintagmas narrativos que ele analisou e catalogou em diversos contos
maravilhosos não está presente em toda a ficção do nosso tempo, exceto naquelas
em que há relatos fantásticos. Em nossa oficina, essas etapas e as funções dos
personagens devem ser identificadas no contexto, para que o aluno absorva a
estrutura narrativa dos contos de fadas, percebam a importância dos papéis de
cada personagem e possam, em suas adaptações, “brincar” com esse corpus, alterando-o conforme suas
experiências sócio-discursivas e sua criatividade, já devidamente instigada
através da adaptação audiovisual.
Leitura literária e multiletramento
Não lemos apenas letras e livros. A leitura é a uma ação
humana muito mais ampla. Lemos a todo instante. Lemos propagandas, filmes,
músicas, expressões faciais, sinais, símbolos, desenhos, sons, cores,
pessoas... ler é um ato de cidadania. Mesmo
quando lemos um texto escrito, temos já a presença da multimodalidade: temos
sons, sinais, imagens. Por essência, qualquer texto já é multimodal.
Mas o que é a leitura? Conforme Silva (2009, p. 23-25),
existem três formas básicas de leitura: a leitura
mecânica, que é a habilidade de decodificar códigos e sinais; a leitura de mundo, predefinida por Paulo
Freire, que consiste num processo contínuo até nossa campa; por fim, a leitura crítica, que nos possibilita
comparar com leituras anteriores, avaliar nossa postura ante o mundo,
questionar, concluir, descobrir intenções.
Ao discorrer sobre formação do leitor, Silva (2009) ainda
afirma que podem ser reconhecidos seis tipos de leitor: pré-leitor (apenas ouve a narrativa, guiado pela sequência de
imagens); leitor iniciante (lê textos
breves e fáceis); leitor em processo
(lê com dificuldades em vocabulário ou uso da linguagem); leitor competente (lê textos mais complexos) e o leitor crítico (lê com autonomia
qualquer texto e estabelece elos com a realidade). Inegavelmente, a família tem
papel essencial na formação do leitor, através da sedução para a leitura, do
exemplo, da orientação. Como na prática isso ocorre muito pouco, resta à escola
fazer esse papel isoladamente. É de conhecimento de muitos essa disparidade em
termos de leitura. Nossa aprendizagem consiste em administrar nossas
experiências discursivas e culturais com o objetivo de resolver problemas em
nossa vida social. Aprendizagem da leitura no sentido amplo (letramento) é usar
esse arcabouço de vivências para interagir com o meio em que vivemos, fazendo-se
parte ativa dele.
Se esses entraves em termos gerais de leitura já nos
tiram o sono, o que dizer da leitura nas aulas de literatura? Qual o papel dela
no ensino fundamental? Sabemos o fosso que há entre ler, inventar oralmente e
escrever. Embora sejam interligadas, são habilidades distintas. É preciso,
pois, instigar na escola a competência da recepção e da produção, considerando
a força expressiva da literatura, assim como nossa própria força de expressão. Língua
e literatura são irmãs. Nesse contexto, Colomer (2007) afirma que
A leitura literária pode expandir o seu
lugar na escola através de múltiplas atividades, que permitam sua integração e
conferência com outros tipos de aprendizados. Os mais imediatos, é claro, são
os aprendizados linguísticos. Por um lado, o trabalho linguístico e literário
conjunto permite apreciar as possibilidades da linguagem naqueles textos
sociais que o propõem deliberadamente, como é o caso da literatura. Por outro,
a inter-relação se produz através de formas mais indiretas, já que o contato
com a literatura leva as crianças a interiorizar os modelos do discurso, as
palavras ou as formas sintáticas presentes nos textos que leem. (2007, p. 159)
Assim sendo, o contato com a literatura serve para
auxiliar tanto no domínio da leitura quanto no do discurso escrito. Colomer
(2007) apresenta ainda algumas atividades em relação à escrita de contos,
constante no âmago de nossa proposta: atividades
de geração de ideias, que incitam à fantasia, à originalidade, ao
encadeamento extraordinário de uma história; atividades sobre a estrutura narrativa, que observam a
estrutura típica dos contos maravilhosos; os modelos da literatura tradicional, que servem como protótipos para que
as crianças possam desenvolver seus próprios textos; e o trabalho textual sobre a descrição, o diálogo e as formas de início e
fim, que mostram as convenções formais do conto.
No que concerne ao leitor, especialmente no tocante ao
texto literário, por que às vezes identificamo-nos de tal forma com uma “estória”
que ela confunde-se com algo de nossa história?
Todos, ao lermos um texto, podemos fazê-lo de várias
maneiras. Atribuímos a ele nossas concepções, vindas de nossas experiências,
nossos valores ou oriundas de inserções do próprio texto. Essa subjetividade do
leitor que envolve o ato de leitura/interpretação evidencia-se também neste
excerto de Rouxel, onde ela afirma que o professor deve ensinar os alunos a
[...] aceitar o universo construído pela
ficção através de seu sistema axiológico próprio, a observar os indícios que
permitirão, em uma segunda leitura, “ressemiotizar o texto”, alcançar um enredo
inédito e uma nova visão de mundo. Dito de outra forma, é preciso que os jovens
leitores ultrapassem sua reações espontâneas nas quais se revela sua utilização
do texto — seu hábito de sonhar com o mundo ficcional — para acessar outras
possibilidades interpretativas. (2013,
p. 155)
O objetivo é levar os jovens à mudança do molde tradicional
de leitura, encaminhando-os à valorização da subjetividade, da significação, da
cumplicidade com o texto. Esses aspectos influenciam na maneira como eles construirão
seus próprios enredos, mexendo com estruturas e prismas pré-estabelecidos,
arraigados e, por vezes, preconceituosos.
Segundo Rojo (2012), o conceito de multiletramento aponta
para dois tipos de multiplicidade: a multiplicidade cultural das populações e a
multiplicidade semiótica dos textos que nelas circulam.
Acerca da multiplicidade de linguagens, Rojo (2012)
salienta que ela está presente nos textos diversos em circulação, sejam
impressos ou audiovisuais. As imagens fazem os significados dos textos
contemporâneos. É a multimodalidade. Essa multissemiose dos textos atuais pede
multiletramentos. Como os textos são compostos de múltiplas linguagens
(semioses), o leitor precisa adquirir habilidades de compreensão e produção de
cada uma delas, para produzir significados. Isso são os multiletramentos. Para
isso, são necessárias novas ferramentas, além das tradicionais manuais e
impressas: áudio, vídeo, imagens, edição, diagramação. Esses novos letramentos
requerem novas práticas de produção em diversas ferramentas e análise crítica
do receptor textual, por conta do caráter híbrido e fronteiriço desses novos
formatos de textos.
Ainda segundo Rojo (2009), ao passo em que incentivamos
os alunos ao uso de modalidades textuais verbais, sonoras e visuais em seus
trabalhos, estamos os inserindo num novo tipo de letramento, diferente da
tradição, com um novo foco e uma nova maneira de produção de sentidos: o
letramento multissemiótico, crítico e transformador. Assim, o usuário funcional
da prática multimodal de leitura literária é aquele possui competência técnica
(saber fazer) nas ferramentas/textos/práticas letradas requeridas.
Linguagem audiovisual
Durante as
etapas da nossa proposta de leitura e produção, há o contato animador com a
linguagem audiovisual. Analisaremos adaptações da literatura para o cinema,
como mecanismo instigador da criatividade e pluralidade de linguagens.
O processo
de produção dos contos multimodais envolve também desenhos, sobreposição de
imagens, construção de falas, sejam escritas ou orais (gravadas), e a criação
de novos contos num programa de edição de vídeos chamado Windows Movie Maker. O aluno
pode filmar com celular, usar
aplicativos para criar desenho e trabalhar fotos. A ideia é usar a tecnologia a
serviço da leitura e da criatividade. Esse contato com o programa deve
impulsionar a construção de novos sentidos para o texto. Essa recepção
literária criativa e lúdica deve ser explorada como fonte de inspiração e
motivação para o contato mais íntimo com a literatura em outros níveis e com
outros gêneros.
Conhecer e
compreender as imagens cinematográficas implica a possibilidade de reflexão
crítica do mundo à nossa volta. É necessário, então, avaliar novas (ou velhas)
práticas, presentes no “chão” da escola, para conseguir interpretar essa nova
realidade e inserir as mensagens produzidas pelo cinema, vislumbrar a riqueza
audiovisual na apreensão de temas em nossas aulas de língua materna.
A inclusão
de novas formas construtivas do processo de ensino-aprendizagem é
imprescindível para uma formação integral e coerente com a vivência cultural do
homem moderno. O cinema torna-se uma proposta educativa interessante quando
representa valores de crítica e mudança social. Considerado como produto
cultural moderno, ele possui a vantagem de introduzir no cotidiano das escolas
um instrumento de leitura consciente da realidade, pelo viés da análise
semiológica, ou seja, o estudo das intenções comunicativas através de signos
distintos do linguístico.
A história
e a estrutura do cinema são fascinantes. Sua linguagem oferece incontáveis
possibilidades de filmes, estilos e temas. Enquanto espaço favorável a uma
compreensão crítica das formas culturais e dos processos de comunicação, nossas
aulas de leitura literária devem proporcionar múltiplas capacidades de
vinculação cultural, informacional e educacional por meio das imagens que
circundam nossa realidade. Daí surge o desejo por estudar o cinema na prática pedagógica
da intertextualidade com o texto escrito. Busca-se compreender qual a
articulação existente entre a literatura e o cinema, com o registro de imagem e
som configurando-se como processo de comunicação e cultura, mesclado com a
linguagem verbal, considerando, óbvio, as especificidades de cada gênero.
Mais do
que ampliar as possibilidades de discussão acerca de um determinado conteúdo, a
linguagem audiovisual possibilita confrontar o imaginário de cada aluno com o
que está traduzido na tela, da mesma forma que se torna possível confrontar a
visão do autor, o que ele quis transmitir, com a visão de cada espectador
diante das imagens exibidas, buscando encontrar novas possibilidades de ver,
perceber e fazer a leitura do mundo fora do ambiente escolar. Por meio da
linguagem audiovisual, podemos ampliar nossos horizontes de expectativas em
relação ao texto escrito, dimensionar nossa capacidade de entender o contexto e
instigar nossa criatividade. Assim, pensando em leitura comparada entre
literatura e cinema, “o que interessa ao homem é seu próprio drama que, de
certa maneira, já se encontra pronto na literatura; o cinema volta-se para essa
arte em busca de fundamento às histórias que ele quer contar” (Campos, 2003, p.
43).
A
discussão sobre a adaptação de textos literários para o cinema traz à tona aspectos
específicos da linguagem cinematográfica e a fidelidade do filme com a obra
literária. Comparar implica aproximar linguagens de naturezas diferentes para
extrair relações de semelhanças e/ou dessemelhanças, ampliando o repertório
cultural já adquirido. O texto literário possui como característica básica a
linguagem verbal, seja escrita ou falada. Já o texto audiovisual contrapõe-se à
linguagem verbal com sua linguagem imagética, visual. Porém, concomitantemente,
esses signos — o linguístico e o semiótico — unem-se para produzir sentido ao
leitor/expectador.
A relação
entre cinema e literatura é complexa, mas caracterizam-se pela
intertextualidade. É impossível esperar que haja no filme todos os elementos presentes
na obra literária, dadas as peculiaridades de ambos. Quando um escritor cria
seus personagens, enredos e cenários não está pensando no visual. O mesmo
acontece quando os produtores pensam em suas obras: pensam primordialmente no
impacto imagético. De acordo com Johnson, (2003, p. 42) a “insistência à
fidelidade é um falso problema, porque ignora a dinâmica do campo de produção
em que os meios estão inseridos”.
Segundo
Thiel (2009, p. 46-47), o cinema encontra na literatura uma fonte de inspiração
artística. Mantém com ela um diálogo e a renova. Ultrapassando os limites
físicos do livro, ele recria as histórias, numa construção intertextual,
redimensionando e metamorfoseando-as em imagens e sons, com uma linguagem
própria: a fílmica. Quando assistimos a um filme, em alguns casos, esperamos
ver na tela o mesmo texto. Mas há as diferenças de suporte textual entre as
duas obras. O cinema privilegia a palavra integrada à imagem e ao som,
privilegiando, muitas vezes, a imagem.
Por fim,
consideremos o que Thiel (2009) ainda sugere
Quando nossos alunos assistem a um filme que dialoga
com a literatura ou é baseado em uma obra literária, é importante que
consideremos se o livro foi lido ou é conhecido dos alunos, mesmo que apenas
por fragmentos. Nesse caso, uma leitura comparativa/contrastiva pode ser
sugerida, mas de forma a observar as especificidades de linguagem (literária e
fílmica) de cada obra. Se a obra for desconhecida, propomos que alguns
elementos (como gênero, contexto de produção ou recepção, ambiente,
personagens, temas, foco narrativo) sejam abordados para ampliar o horizonte de
leitura fílmica dos alunos quando da projeção. Finalmente, ressaltamos que o
aluno deve poder utilizar seu repertório fílmico e literário para realizar a
análise do filme, pois, assim, desenvolverá um olhar singular, orientado (mas
não limitado), de forma a tornar-se um leitor e espectador crítico. (2009, p.
48)
Método
recepcional de leitura literária
Segundo Bordini & Aguiar (1988, p. 80), este método
traz a preocupação com o ponto de vista do leitor, diferentemente da tradição.
Defende a ideia do relativismo de interpretação: no ato de produção e recepção,
as expectativas do autor são traduzidas no texto; o leitor transfere também
suas expectativas ao texto. O texto é, pois, um espaço onde esses dois
horizontes podem identificar-se ou estranhar-se.
Zilberman (1982, p. 103) corrobora com Bordini &
Aguiar, ao estabelecer as convenções que constituem o horizonte de expectativas,
pelas quais o autor concebe a obra e o leitor a interpreta: social, pois
compomos uma hierarquia na sociedade; intelectual, porque nossa visão de mundo
é compatível como nosso lugar no espectro social; ideológica, que representa os
valores do nosso meio, que nos são intrínsecos; linguística, pois usamos certo
padrão de expressão, decorrente de nossa educação e do padrão usado em nosso
espaço social; literária, proveniente das nossas leituras, da oferta artística
da tradição, das mídias e da escola; e afetiva, que causa a adesão ou a
rejeição.
Objetivos do método recepcional, conforme Bordini &
Aguiar (1988, p. 86-91):
·
Efetuar leituras
compreensivas e críticas;
·
Ser receptivo a
novos textos;
·
Questionar as
leituras em relação a seu próprio horizonte cultural;
·
Transformar os
próprios horizontes, bem como os do professor, escola, comunidade, família.
Etapas de
desenvolvimento: técnicas
·
Determinação do horizonte de expectativas: etapa em que o professor investiga a bagagem de
experiências linguísticas, sociais, de valores. Mobiliza-as a partir das
lacunas do texto e dos interesses dos alunos;
·
Atendimento do horizonte de expectativas: etapa em que o leitor se identifica com a obra, que ela
apresenta conceito, valores e ações que coincidem com as dele. É a confirmação
do que ele tinha como vivência imaginativa;
·
Ruptura do horizonte de expectativas: acontece no distanciamento crítico do horizonte
cultural do leitor em relação às novas propostas suscitadas na obra;
·
Questionamento do horizonte de expectativas: fase de revisão de usos, necessidades, ideias, comportamentos,
a partir das inferências do texto;
·
Ampliação do horizonte de expectativas: momento em que há a assimilação, ou seja, a percepção e
adoção de novos sentidos integrados ao universo vivencial do indivíduo.
Método semiológico
[...] Toda
palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato que procede de
alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o
produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a
um em relação ao outro. (Bakhtin, 1979,
p. 99)
A semiologia, na perspectiva bakhtiniana, estuda a
compreensão dos signos de qualquer espécie (não somente os verbais), com sua
intencionalidade e ideologia. Centra-se na linguagem como função social,
contemplando suas múltiplas realizações. Conforme Bordini & Aguiar (1988),
Uma proposta de ensino de literatura
fundada no método semiológico tem por objetivo transformar a aprendizagem numa
prática cotidiana de intercâmbio e coexistência de valores diferenciados, que
elegem a linguagem literária ou outras linguagens como veículos de circulação.
Compreende a sociedade como um conjunto de vozes, atitudes e ações,
individualizadas e pessoalizadas, que sem embargo podem conviver mesmo na
dissonância e nas contradições, alimentando-se justamente dos desvios. (p. 132)
Elas ainda afirmam que a atitude semiológica tenta
explicar e interagir dialeticamente as relações entre cultura e sociedade, sem,
precisamente, uma ser reflexo da outra. A metodologia semiológica deve
considerar o signo ideológico, o dialogismo, a polifonia e a coleta de textos
culturais diversificados, pois a leitura de um texto nunca é unânime, nem
dentro nem fora da escola. As diferentes leituras de uma obra são possíveis
porque ela é atemporal e interage com os diferentes momentos
histórico-culturais. Uma compreensão semiológica requer o domínio da composição
de diversos produtos culturais, desvendando a multiplicidade de vozes e
captando o modo peculiar de combinação dos signos em cada manifestação
artística, e seu efeito ideológico sobre nós.
Objetivos do método semiológico, conforme Bordini &
Aguiar (1988, p. 133-142):
·
Admitir a
diversidade de textos na vida social;
·
Adquirir as normas
intencionais do jogo semiótico, posicionando-se criticamente frente a elas;
·
Perceber a realização
diversa das regras pelos diferentes sujeitos produtores de signos;
·
Captar as intenções
dos textos que transitam no meio social.
Etapas do
método semiológico:
·
Coleta de textos
culturais diversificados;
·
Aquisição das regras
do jogo semiótico;
·
Reconhecimento do
uso intencional das diferentes linguagens;
·
Análise das
intenções conformadoras (inalteram
comportamento/valores do leitor) ou emancipatórias
(modificam comportamento/valores do leitor) dos textos;
·
Interação dos
sujeitos com os textos.
Oficina
de leitura literária multimodal
Objetivo: Realizar atividades de leitura literária
de contos de fadas tradicionais, de suas adaptações audiovisuais e de recriação
desses contos — utilizando conceitos dos métodos recepcional e semiológico —
tendo como foco a formação de alunos leitores intertextuais e multimodais.
Material: Versão escrita do conto clássico “A gata borralheira” (nesta análise fora usada a
tradução da Drª Clarissa Pinkola Estés; vide referências) e o filme “Cinderella”
(2015).
Etapas:
1. Levar para os alunos o texto escrito do
conto clássico. Distribuir o material e fazer as leituras. Analisar com eles o
enredo e discutir oralmente sobre os seguintes aspectos: o papel dos
personagens, os valores inseridos no conto, as expectativas em relação ao conto;
2. Apresentar aos alunos o corpus narrativo do conto de fadas (ver
quadros abaixo), conforme Propp (2006), enfatizando as funções dos personagens
e identificando na história cada sintagma estrutural;
3. Assistir ao filme Cinderela (2015).
4. Identificar também no filme os personagens
e ações, conforme a morfologia de Propp (ver quadros abaixo). Promover uma roda
para debater sobre alguns aspectos do texto: comparativo entre a descrição dos
personagens do conto tradicional e a da adaptação; diferenças do papel das
personagens; mudanças no enredo; ausência de personagens e inclusão de outros;
as diferentes versões para uma mesma história; o tempo e o espaço narrativo;
5. Orientar e coordenar a produção de um conto
multimodal. Será em um vídeo, em que se poderá usar imagem e voz. Este é o
momento crucial. Nesse conto, eles podem ampliar e/ou modificar os padrões
estabelecidos quanto aos personagens, tempo e espaço. Poderão alterar, conforme
sua criatividade, as ações da estrutura dos contos tradicionais. Como proceder:
* Antecipadamente, o professor deve já
conhecer e saber usar o programa Windows
Movie Maker. Orientar os alunos sobre o manuseio do programa;
* Propor que eles recontem o conto em
análise ou criem seus próprios contos, através de cenas produzidas em desenhos,
pinturas ou imagens. As falas podem ser escritas em balõezinhos (como nas HQ)
ou serão editadas em vozes no próprio Movie
Maker;
6. Após isso, o professor revisará todas as
produções. Após a leitura dos textos escritos (quando for o caso), fazer as
observações pertinentes, no âmbito gramatical, para a reescrita pelos alunos.
Ater-se a aspectos mais relevantes, como ortografia, pontuação, concordância,
acentuação, etc. Tomar cuidado para não invadir o espaço criativo do aluno,
interferindo nos rumos da narrativa, que é fruto das experiências dele;
7. Promover uma sessão, com a exibição dos vídeos
produzidos, e organizar todas as produções numa antologia digital da classe.
Variação: O
professor pode deixar a produção facultativa ou mista, entre texto escrito e
texto audiovisual.
Análise estrutural, conforme
Propp (2006), do conto A gata borralheira
e do filme Cinderela
7 personagens básicos
(e suas esferas de atuação)
|
Conto
A
gata borralheira
|
Filme
Cinderella
|
1. O agressor/malfeitor
(que faz mal ou causa dano, enfrenta e/ou persegue o herói)
|
A madrasta, as
duas filhas, o pai
|
A madrasta, as
duas filhas, o grão-duque
|
2. O doador
(submete o herói a provas; dá o objeto mágico ao herói)
|
A aveleira (que
representa a alma de sua mãe)
|
A fada
madrinha (velhinha)
|
3. O auxiliar
(que ajuda o herói no seu percurso/tarefa; salva o herói na perseguição,
repara o dano, altera a aparência do herói, soluciona tarefas difíceis
impostas ao herói... pode ser um ser vivo ou objeto mágico)
|
Um passarinho
branco
A aveleira
Os pombos brancos
As rolinhas
|
Os ratinhos
Os lagartos
O ganso
A abóbora
Pássaro
O capitão da
guarda real
|
4. A princesa
e/ou o pai (impõe ao herói tarefas
difíceis; dá ao herói uma marca ou objeto que servirá para identificá-lo
depois; desmarcara o falso herói; reconhece o herói, casa-se com o herói)
|
O príncipe
|
O príncipe
O rei (pai)
|
5. O mandador/mandante
(que envia o herói a sua missão)
|
A aveleira
(que representa a alma de sua mãe)
|
A fada
madrinha
|
6. O herói
(realiza uma busca ou é colocado à prova; casa-se com a princesa)
|
Borralheira
(Cinderela)
|
Ella (Cinderella)
|
7. O falso
herói (parte em viagem para realizar busca; é colocado à prova pelo
doador, mas falha; quer receber o prêmio pelo herói)
|
As duas filhas
da madrasta
|
As duas filhas
da madrasta
|
Nº
|
Ações/funções
(sintagmas narrativos)
|
Conto
A
gata borralheira
|
Filme
Cinderella
|
1
|
Afastamento – um personagem sai do
local/situação seguro(a)
|
A morte da mãe de
Cinderela
|
A morte do pai
de Ella
|
2
|
Interdição/proibição – herói recebe
ordem de (não) fazer algo, um aviso, uma intimação
|
Cinderela é
proibida de ir à festa no palácio
(culminância de
várias privações/humilhações)
|
Ella é proibida
de ir ao baile no palácio (culminância de várias privações/humilhações)
|
3
|
Transgressão – o personagem
desobedece
|
Borralheira insiste
em ir à festa no palácio
|
* Ella tenta
fugir a cavalo pela floresta e conhece o príncipe, sem saber quem ele é
(apaixonam-se);
*Ella pede para
ir à festa no palácio
|
4
|
Interrogação – malfeitor pergunta
sobre o herói, procura meios de o atacar
|
-
|
-
|
5
|
Informação – malfeitor recebe
informações sobre o herói
|
-
|
-
|
6
|
Engano – O agressor tenta enganar a
vítima
|
A madrasta diz
que ela irá se catar, duas vezes, as lentilhas que jogou no borralho da
lareira
|
A madrasta finge
aceitar que Ella vá com o vestido da falecida mãe e o rasga
|
7
|
Cumplicidade – persuadido pelo
agressor, inocentemente, o personagem se deixa enganar
|
Borralheira
aceita as tarefas
|
Cinderella, por
um momento, acredita na permissão
|
8
|
Dano/vilania – surge o problema, o
núcleo da narrativa
|
A madrasta vai
ao baile com suas duas filhas e deixa Borralheira
|
A madrasta vai
ao baile com suas duas filhas e deixa Cinderella
|
9
|
Mediação – o herói surge para
corrigir o dano
|
Borralheira
decide tentar ir à festa
|
-
|
10
|
Início da reação – o herói aceita ir
contra o malfeitor
|
Borralheira vai
ao túmulo da mãe
|
-
|
11
|
Partida – O herói sai para cumprir a
missão
|
Borralheira pede
ajuda à aveleira
|
-
|
12
|
Transmissão de objeto mágico – o
doador ajuda o herói.
|
A aveleira envia
o pássaro
|
-
|
13
|
Prova – doador submete herói a uma prova
para ajudá-lo
|
-
|
A fada
(velhinha), fingindo estar com fome, prova a generosidade de Ella, já
conformada em não ir
|
14
|
Reação – herói supera a prova e
recebe a ajuda do doador
|
-
|
Ella ajuda a
velhinha (fada)
|
15
|
Recepção do objeto mágico – é o
prêmio da prova; pode ser também uma informação, conselho, etc.
|
O pássaro veste
Borralheira com um vestido dourado e sapatinhos de prata
|
A fada veste
Cinderella e faz com que ela vá linda ao baile
|
16
|
Deslocamento – viagem ao local do
conflito
|
Borralheira vai
à festa
|
Ella vai ao
baile
|
17
|
Marca – herói recebe uma marca no
corpo ou objeto identificador (lenço, anel, etc.)
|
A roupa de
Borralheira não permitiu sua identificação (sapato)
|
A fada fez com
que Ella não fosse identificada (feitiço mágico) – sapato
|
18
|
Vitória – Malfeitor é derrotado,
expulso ou morto
|
O príncipe
dançou a festa inteira com Borralheira
|
O príncipe
dançou com Ella e foram conversar no jardim
|
19
|
Reparação – o dano é corrigido
(quebra de feitiço, soltura de prisão, fim de alguma privação, etc.)
|
Borralheira
conseguiu ir à festa (três dias)
|
Ella conseguiu
ir ao baile e reencontrar o misterioso cavaleiro da floresta (príncipe)
|
20
|
Regresso – o herói volta para casa
|
Borralheira
volta para casa
|
À meia-noite,
Ella fugiu, pois o feitiço se desfaria
|
21
|
Perseguição – herói é perseguido (transformação em animais, tentativa de
morte, etc.)
|
Borralheira é seguida pelo príncipe
|
Ella é seguida
pelos cavaleiros da corte
|
22
|
Salvamento – o herói se salva ou é
salvo por outrem
|
Borralheira se
salva (em duas noites) escondendo-se no pombal e na pereira do seu quintal
|
Ella consegue
chegar a sua casa sem ser alcançada
|
23
|
Chegada incógnita – herói aparece
disfarçado ou não se identifica
|
Nas três noites,
Borralheira chega despercebida
|
Agressoras de
Cinderella não percebem que ela fora ao baile (madrasta descobre o sapatinho
escondido)
|
24
|
Falsas pretensões – falso herói se
faz passar pelo herói
|
Na terceira
noite, o príncipe manda cobrir a escadaria de cola e fica um sapatinho lá.
Ele vai à casa de Borralheira. Os agressores tentam enganá-lo.
|
O príncipe
ordena uma busca para descobrir quem é a dona do sapatinho. No fim, O conselheiro
e a madrasta tentam escondê-la e enganá-lo.
|
25
|
Tarefa difícil – herói precisa
cumprir prova para mostrar quem realmente é
|
O príncipe ordena
que as moças calcem o sapatinho
|
O príncipe
ordena que as moças calcem o sapatinho
|
26
|
Realização da tarefa – o herói supera
a prova
|
Borralheira
prova ser quem o príncipe buscava
|
Ella prova ser
quem o príncipe buscava
|
27
|
Reconhecimento – herói é identificado
(pode ser pela marca deixada pelo agressor)
|
Induzido pelos
pombos, o príncipe reconhece Cinderela como a verdadeira dona do sapato
|
O príncipe
encontra Ella, que estava presa no sótão. Ella calça o sapatinho
|
28
|
Desmascaramento – o falso herói é
desmascarado
|
Os pombos avisam
o príncipe sobre a farsa (duas vezes); o sapato cabe perfeitamente no pé de
Cinderela
|
Ella recebe uma
ajuda do pássaro (auxiliar), que abre a janela do sótão para que o chefe da guarda
a ouça cantar e descubram a farsa
|
29
|
Transfiguração – herói é encoberto
por uma aura que o muda fisicamente (ganha nova aparência, novas roupas,
etc.)
|
Os dois pombos
pousam nos ombros de Cinderela
|
* Não Ella, mas
o príncipe revela seu disfarce de soldado, para fiscalizar a lealdade do
conselheiro
|
30
|
Punição/castigo – O agressor, seus
ajudantes e/ou falso herói são punidos
|
Os pombos furam
os dois olhos das duas irmãs postiças de Cinderela
|
Embora Ella
perdoe a madrasta, ela fica pobre com suas filhas e o Conselheiro
|
31
|
Recompensa – herói é recompensado,
geralmente com personagem envolvida no dano (casamento, subida ao trono,
enriquecimento, etc.)
|
Cinderela
casa-se com o príncipe
|
Cinderela
casa-se com o príncipe
|
Observações importantes
* Poderá haver variações nos
personagens, quanto à questão de gênero, como é o caso do conto analisado;
* A ordem da sequência pode,
por vezes, ser alterada dentro da história. Por exemplo: no conto analisado, as
ações 27 e 28 acontecem antes da 26;
* Normalmente, quem persegue o
herói é o agressor, para fazer mal. Nesse caso, ela é perseguida pelo príncipe
(doador), para conhecê-la;
* Uma sequência
(ações/funções) pode vir uma após outra ou entrelaçadas; (Propp, 2006, p. 90)
* Um personagem pode ocupar
uma esfera de ação, várias esferas ou vários personagens alternam-se em uma
esfera de ação; (Propp, 2006, p. 78-79, p. 81)
* Os personagens são definidos
por sua contribuição ao enredo o seu impacto sobre o herói;
(Propp, 2006, p. 79
* Essencial perceber a
possibilidade de alterações entre versões do conto e entre conto e filme, para
que o aluno se sinta à vontade e instigado a “mexer” com a estrutura no seu
reconto.
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